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    Atualização do Capítulo de Seguros no Código Civil: um convite para reflexão

    2024-03-04

     
    Por Bárbara Bassani (*)
    Em 26 de fevereiro de 2024, foi divulgada a minuta de texto final ao Anteprojeto de Lei, que trata da atualização do Código Civil. A minuta é fruto de um processo de revisão formado por uma Comissão de Juristas, presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
     
    O contrato de seguro, atualmente, está disciplinado no Código Civil, em Capítulo próprio. A Comissão designada para atualizar o Código Civil propôs alterações em diversos artigos desse Capítulo.
     
    Nesse contexto, passariam a existir dois projetos em paralelo com alterações em seguros, quais sejam, o Código Civil e o PLC nº 29/2017, que propõe uma Lei de Seguros específica para o país.
     
    O PLC nº 29/2017 está em fase bastante avançada de tramitação, enquanto o processo de atualização do Código Civil em fase incipiente. Apesar disso, merece ser acompanhado, debatido e refletido pelo setor.
     
    Ora, o contrato de seguro é uma espécie de contrato e pode não fazer muito sentido existir uma lei nova para tratar apenas de seguro, sob pena de nascer ultrapassada, sem dialogar com a lei geral, o Código Civil.
     
    Ainda que o PLC nº 29/2017 seja aprovado e o Brasil passe a ter uma legislação específica para seguros, suprimindo-se essa espécie contratual do Código Civil, a indagação que se faz é: será que o novo diploma específico para seguros já não nasceria ultrapassado?
     
    As atualizações do Código Civil vão muito além do Capítulo de Seguros e, na medida em que o contrato de seguro oferece cobertura às mais diversas situações, relações jurídicas e outros contratos disciplinados no Código Civil, essa indagação e a necessidade de reflexão é absolutamente legítima.
     
    Por exemplo, o contrato de seguro tangencia situações de responsabilidade civil, que estão sendo atualizadas, sem contar a intersecção com direito sucessório e de família no que se refere a seguros de pessoas. Para além disso, a prescrição em geral prevista no Código Civil referente às mais diversas relações cobertas por seguros também está sob um regime de atualização.
     
    Parece mais adequada uma modificação sistemática, uniforme, de forma que as alterações referentes a seguros possam estar compatíveis com o novo diploma civil, que está em discussão. E, por qual razão, não dentro dele, ou seja, no próprio Capítulo de Seguros?
     
    Isso sem deixar de mencionar que diversas proposições da Comissão para atualização do Capítulo de Seguros no Código Civil mantêm bons dispositivos já existentes (em vez de revogá-los ou transformá-los por completo). Por outro lado, existem sim, dispositivos novos, que propõem forte alteração na dinâmica atualmente existente, podendo causar distorções e trazendo preocupação sob a ótica de aumento da judicialização.
     
    Sem fazer qualquer juízo de valor, o texto propõe a inclusão de classificação específica para os contratos de seguro de grandes riscos, definindo-os como aqueles que se presumem paritários e simétricos, a partir do valor da garantia contratada, do porte econômico do tomador ou segurado e de outros critérios definidos pelo órgão regulador, situações nas quais as partes terão ampla liberdade para a elaboração de cláusulas, para a escolha dos meios de prevenção destinados a evitar e a conter o aumento do risco segurado, bem como para solução de conflitos.
     
    Ainda, há menção expressa para prever documentos contratuais do seguro de forma digital ou virtual, alterações no que se refere à dinâmica da mora (mediante a adoção do conceito de adimplemento substancial), mudanças no agravamento do risco, prazo específico para comunicação do sinistro, inclusão de dispositivos sobre regulação de sinistros, mudanças na sub-rogação para grandes riscos quando prevista arbitragem e no seguro de responsabilidade civil, especialmente, no que se refere à relativização da vedação para a celebração de acordo com o segurado e inclusão de artigo para prever, expressamente, a possibilidade de ação direta.
     
    Os seguros de pessoas também sofreriam modificações, com a inclusão de hipóteses de premoriência e comoriência, além da menção a herdeiros testamentários quanto à parte de beneficiários. Há um dispositivo tratando do capital segurado não sujeito às dívidas do segurado ou à herança para todos os efeitos de direito, disposição essa não aplicável para os valores transferidos a terceiros beneficiários, quando resultantes de aportes feitos em razão de planos de benefícios contratados com entidade de previdência privada complementar aberta (salvo quando os planos de benefícios mencionados consistirem em rendas mensais vitalícias, sem a faculdade de outro levantamento do montante acumulado).
     
    A prescrição continuaria ânua, a partir da ciência do fato gerador da pretensão, embora a Comissão tenha divergência acerca do conceito de pretensão (nesse caso, não apenas para o contrato de seguro, mas para pretensões em geral). Para os seguros de responsabilidade civil, o prazo ânuo está especificado a partir da data em que o segurado é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador.
     
    Há uma pequena sugestão de alteração referente ao prazo prescricional para a pretensão do beneficiário contra o segurador e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório, que continuaria sendo trienal, mas com prazo expresso a contar do sinistro.
     
    Embora o Capítulo de Seguros proposto pela Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil precise passar por um necessário processo de aperfeiçoamento, como ocorre com todas as legislações, fato é que já nasceu em sua concepção de uma forma mais equilibrada do que o PLC nº 29/2017, com proposições mais condizentes com o contexto atual do contrato de seguro, incorporando aspectos da jurisprudência e da doutrina firmada acerca do tema ao longo dos anos, sem representar uma ruptura com o regime aplicado até então.
     
    Fica, aqui, o convite à reflexão.
     
    (*) Bárbara Bassani
     
    Sócia na área de Seguros e Resseguros de TozziniFreire Advogados, com atuação em consultoria regulatória e contencioso. Doutora e mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Especializada em Direito Civil e graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Diretora da AIDA Brasil e Acadêmica da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP). Professora em instituições de ensino superior. Autora de diversos livros e artigos.